Na faculdade eu tinha uma professora que passava dever de casa.
Não estou exagerando.
A gente passava quase duas horas escutando a voz aguda da professora loira de sobrenome espanhol, e no final da aula ela abria a boca e dizia: "Dever de caaasa!!!".
Cada um anotava no caderno - a revolta crescendo por dentro - a pergunta pra qual ela queria resposta: o sexo dos anjos, a nossa marca de absorvente preferida, ou enfim, o que quer que fosse o "dever de casa".
Essa professora arrotava uma grandeza que mal dava pra aguentar (jura que na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará tem professores assim?).
Ao final do semestre, sempre ficava boa parte da sala de final. Era um atestado de "eu sou f..., ninguém passa direto na minha cadeira". E no meu semestre não foi diferente. De 60 pobres almas indefesas, 40 ficaram no limbo.
Lembro como se fosse hoje eu estudando feito louca, por quatro ou cinco livros diferentes, pra fazer uma prova que apenas era, descobri depois, a cópia alterada de provas aplicadas em semestres anteriores. Digo "alterada" porque ela fazia assim: no semestre 2004.1 colocava uma alternativa como verdadeira e no 2004.2 como falsa, acrescendo alguma palavra como "não", "nenhum", etc.
Pois bem. Passei. Porém, como tantos outros, adquiri um pequeno-sutil-discreto-leve ódio mortal dessa teacher.
E eis que, no domingo da eleição, estou eu no setor de uns colegas, de costas pra porta, quando escuto uma voz inconfundível. IMEDIATAMENTE, reverberou aquela expressão na minha cabeça: "dever de casa!" "dever de casa!" "dever de casa".
Meu coração bateu até mais rápido.
"Oiiii, eu ouvi dizer que aqui tem um bolo de chocolate delicioso!"
Me virei pra olhar o que até ali tinha sido só a voz.
Aquela ég--- nobre senhora estava grávida.
Em um trilhonésimo de segundo pensei: "você-não-vai-comer-esse-bolo-porque-tá-uma-baleia-e-além-do-mais-eu-participei-da-cota-e-não-vou-pagar-pra-você-comer-saia-logo-daqui-senão-você-leva-porrada!!!"
No lugar de vociferar toda a minha raiva, construi feição a mais blasé possível.
E fiquei admirando toda a pequenez daquele ser: agora sugado por outro, com coluna torta, usando blusa de malha "Eleições 2010" e calça de elástico, cabelos loiros agora com quatro dedos de raiz preta, olheiras. Um ser humano normal. Pequeno como todos nós. Destituído de qualquer vaidade em nome de um ainda projeto de gente. Pedindo encarecidamente um pedaço de bolo de chocolate.
Cadê a arrogância, a prepotência, aquela soberba toda?
No dia da eleição, ela era só mais uma MÃE. E era tudo isso.
Um comentário:
Muuuuuito bom, Lutty!!!!
Postar um comentário