São as nossas escolhas que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Minha outra vó


83 anos. 1,55m de altura. Cabelos cinzas desde que me entendo por gente.

Dela herdei pernão e bundão. Dormi no mesmo quarto com ela dos 10 aos 22 anos.

Dia desses ganhou da mamãe, nora dedicada, uma revistinha de palavras cruzadas (depois que mamis ouvira dizer que era bom pra prevenir o tal do Alzheimer).

Aceitou sem dizer nada.

Mais tarde, rebolou a revista num canto e disse pra Xica que não precisava "disso" e que ainda não tava caducando (acho que ela tinha visto a mesma reportagem que a mamãe).

Mas dois ou três dias depois pediu pro meu irmão ensinar a ela como fazia o caça-palavras. Fez um, dois, três.... Acabaram os da revista.

Meu irmão foi e comprou uma só de caça-palavra.

E agora ela viciou de um jeito que ontem tava reclamando porque eu comprei um sudoku pra mim e nenhuma revista pra ela.

Xica então foi lá e fez a caridade de ir comprar.

Eis que quando a vovó abre a revista e começa a fazer o primeiro, eu passo de lado da rede e começo a brechar as palavras que ela tinha que procurar: "casais", "férias", "dinheiro", "rio de janeiro", "boston", "agências", "cruzeiros", e outras. Que caraléo de tema era aquele?

"Vóóó, deixa eu ver aí esse negócio, vai lá..."

Putz...

A vovó tava fazendo um caça-palavra sobre "O turismo gay", pode?

sábado, 23 de outubro de 2010

Vovó Maria...

Quanta saudade!

Desde o último dia 18, eu sei que não vou mais te ver aqui na Terra.

Sei que não vou mais sentir o seu cheiro, nem ouvir você dizer que fica arrepiada quando cheiram o seu cangote. Não vou mais ouvir você dizer que está com fastio, mas beliscar todas as comidas que os médicos tinham proibido. Não vou mais ouvir a sua gargalhada, tão típica dos Rocha, quando ouvia alguém contar uma piada.

Não vou mais ouvir você contar as histórias sobre o tempo em que trabalhava naquela perfumaria do centro da cidade. Não vou mais ver a sua letra bonita escrevendo um recado ou anotando um telefone. Não vou mais ver você saindo pra ir à missa.

Vovó, a senhora proporcionou a mim e aos meus irmãos e primos uma infância maravilhosa. A senhora me deu primos que são verdadeiros irmãos, tios que são um pouco meus pais e tias que são também minhas mães. E eu te agradeço por tudo isso, por cada final de semana que passei na sua casa, por cada reunião de domingo e por cada benção que a senhora me deu.

Mas vovó, quando eu chegar à sua casa no sábado, antes de ir almoçar na casa da mamãe, assim como eu não vejo mais a Lelê sentada no batente do quintal, sei que não vou mais te ver sentada naquela cadeira de balanço na entrada da sala. E quando eu for embora vovó, eu vou pedir a benção ao vovô, mas você não vai mais me levar até o portão.

Porém, mais do que essas certezas todas, eu tenho a convicção de que, no último dia 18, o céu fez festa pra você. Nosso Senhor estendeu o tapete vermelho. E eu sei que a Lelê, o Geurim, sua filhinha Marta e suas manas estavam te esperando. E eu espero, vovó, que quando os meus dias terminarem, Deus me dê a graça de ir ficar pertinho de você.

Um beijo saudoso,

Lulu

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

As pessoas e suas circunstâncias

Na faculdade eu tinha uma professora que passava dever de casa.
Não estou exagerando.
A gente passava quase duas horas escutando a voz aguda da professora loira de sobrenome espanhol, e no final da aula ela abria a boca e dizia: "Dever de caaasa!!!".
Cada um anotava no caderno - a revolta crescendo por dentro - a pergunta pra qual ela queria resposta: o sexo dos anjos, a nossa marca de absorvente preferida, ou enfim, o que quer que fosse o "dever de casa".
Essa professora arrotava uma grandeza que mal dava pra aguentar (jura que na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará tem professores assim?).
Ao final do semestre, sempre ficava boa parte da sala de final. Era um atestado de "eu sou f..., ninguém passa direto na minha cadeira". E no meu semestre não foi diferente. De 60 pobres almas indefesas, 40 ficaram no limbo.
Lembro como se fosse hoje eu estudando feito louca, por quatro ou cinco livros diferentes, pra fazer uma prova que apenas era, descobri depois, a cópia alterada de provas aplicadas em semestres anteriores. Digo "alterada" porque ela fazia assim: no semestre 2004.1 colocava uma alternativa como verdadeira e no 2004.2 como falsa, acrescendo alguma palavra como "não", "nenhum", etc.
Pois bem. Passei. Porém, como tantos outros, adquiri um pequeno-sutil-discreto-leve ódio mortal dessa teacher.
E eis que, no domingo da eleição, estou eu no setor de uns colegas, de costas pra porta, quando escuto uma voz inconfundível. IMEDIATAMENTE, reverberou aquela expressão na minha cabeça: "dever de casa!" "dever de casa!" "dever de casa".
Meu coração bateu até mais rápido.
"Oiiii, eu ouvi dizer que aqui tem um bolo de chocolate delicioso!"
Me virei pra olhar o que até ali tinha sido só a voz.
Aquela ég--- nobre senhora estava grávida.
Em um trilhonésimo de segundo pensei: "você-não-vai-comer-esse-bolo-porque-tá-uma-baleia-e-além-do-mais-eu-participei-da-cota-e-não-vou-pagar-pra-você-comer-saia-logo-daqui-senão-você-leva-porrada!!!"
No lugar de vociferar toda a minha raiva, construi feição a mais blasé possível.
E fiquei admirando toda a pequenez daquele ser: agora sugado por outro, com coluna torta, usando blusa de malha "Eleições 2010" e calça de elástico, cabelos loiros agora com quatro dedos de raiz preta, olheiras. Um ser humano normal. Pequeno como todos nós. Destituído de qualquer vaidade em nome de um ainda projeto de gente. Pedindo encarecidamente um pedaço de bolo de chocolate.
Cadê a arrogância, a prepotência, aquela soberba toda?
No dia da eleição, ela era só mais uma MÃE. E era tudo isso.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sobre Doritos, Bohemia e DVD

Ressaca da eleição. Cansaço total. Nada de academia por hoje. Saudade dos afilhados. Os três pertinho de mim. Viagem pra organizar. Mudança grande já foi. Vovó dodói. Mamãe preocupada. Vovô saudoso. Marido longe. Nada que preste na televisão. Sinto falta do Grey's. A temporada nova já começou?

Uma passada na locadora, um pacote de Doritos e uma gelada seriam providenciais. Mas hoje é segunda, amanhã eu trabalho e... malho. Porque agora eu sou uma mulher que malha (há duas semanas, mas malha). E eu não estou mais só, fazendo festa com a solidão e o eco da minha voz no meu AP. Assim, o filme poderia até rolar, mas um pacote de Doritos e uma cerveja bem gelada (já que tô afastada do líquido negro da vida e similares), apesar de muito desejados, despertariam as mais insistentes e revoltadas indagações.

No ensejo -> 10 vantagens da minha estadia na casa da mamãe:
1. Não ter que arrumar minha cama.
2. Poder pedir pra Xica fazer suco de laranja pra mim todo dia de manhã.
3. Não precisar fazer mercantil.
4. Não ter que pagar contas.
5. Ser mimada como se tivesse me separado e voltado pra casa.
6. Poder usar os sapatos e as roupas da sister (tá bom, nem todas cabem, assim, beeem facinho).
7. Poder dormir no quarto com a vovó.
8. Poder conversar até mais tarde com a vovis, pois, ao contrário do maridón, ela sempre dorme depois de mim.
9. Poder estudar, ler, assistir televisão, tudo no quarto, e se quiser até com luz acesa porque ela não reclama.
10. Ser a irmã casada-adulta-que-mora-na-mesma-casa-mas-com-quem-os-irmãos-não-podem-mais-brigar.

Another day: as dez desvantagens...